Tradução — Dragon (Sam Pink)

cavername
5 min readJan 10, 2024

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Dragon

Meu amigo e eu descíamos a US 12, bosque escuro dos dois lados.

A caminho para devolver uma barraca que ele pegou emprestada de um de seus colegas de trabalho.

“Nunca consigo lembrar qual é”, ele disse, diminuindo a velocidade para verificar uma entrada qualquer, quase sem sinalização.

Boca para uma longa carreira que penetrava fundo a floresta.

Algumas placas de não entre.

“Acho que é essa”, disse ele.

Entramos.

Dirigi devagar até que a luz dos faróis tocou um galpão.

“Tomara que ninguém atire”, disse ele, desligando o carro.

“Ah.”

Silêncio total.

Total mesmo.

E então uma luz se acendeu quando uma porta de tela se abriu, centenas de insetos pairando sobre dela.

Cães latiram.

“Olha os caras aí!”, gritou o colega de trabalho do meu amigo. Então ele gritou “Cala a boca!” para os cachorros e acenou para que entrássemos na casa.

Lá dentro, a matilha nos cumprimentou — um cachorro médio, acima do peso, parecido com um salsichinha e com focinho cinza, um cachorro menor e um cachorro tão pequeno que a princípio pensei que fosse um esquilo.

Eles latiram e depois abanaram o rabo, as orelhas baixando.

Meu amigo e eu apoiamos a barraca na parede.

A casa parecia atingida por um tornado.

Ou como se o pedreiro fosse embora com só 65% dela pronta.

Compensados e pregos por toda parte.

Lonas.

Aquários cheios de lixo.

Um galho de árvore gigantesco — parte de uma árvore viva — atravessava o meio da casa.

Sentei-me em uma cadeira de escritório e meu amigo em um caixote de plástico.

“Desculpe a porra da bagunça. Quase não fico mais aqui. Heh, opa.”

O cachorro obeso veio até mim e colocou a cabeça gorda no meu colo — olhos vermelhos e lacrimejantes, ramela nos cantos.

“Ei, amigo”, eu disse, coçando a cabeça dele.

“Ó, esse é o Dragon”, disse o anfitrião, puxando a barraca para um canto. “O velho Dragon… um idiota, mas é meu chapa.”

Os olhos de Dragon estavam se fechando, a cabeça pesada no meu colo.

“Cara, é um milagre ele conseguir andar. Esse filho da puta ficou paralisado por quatro meses heh. Não mexia nada do pescoço para baixo.”

“Como?”, disse meu amigo. “Sério?”

“Sério. Ele adorava matar guaxinins. Mas uma vez, um daqueles merdas pegou ele de jeito, né. E tinha alguma doença ou alguma merda. Ele pegou meningite espinhal heh. Esse filho da puta não se mexeu por quatro meses. Tivemos que cuidar dele.”

“Dragon, isso é verdade!?”, eu disse.

Mas Dragon estava morto para o mundo enquanto eu trabalhasse em sua papada.

“Ficar ali deitado o dia todo era tudo o que ele conseguia fazer. Se ele latisse o corpo todo corpo tremia, mas ele não conseguia se mexer.”

Todo mundo riu.

“Não é verdade, Dragon?”, disse o dono, enquanto caminhava em minha direção.

Ele puxou Dragon para cima, um braço sob as pernas traseiras e outro em volta do peito.

“Ele latia e ficava deitado ali, tendo espasmos no chão, heh.”

Ele beijou Dragon na cabeça.

Dragon parecia relutante em ser carregado — mas se resignou.

“Cara, foi doideira. A gente tinha que levar a bunda dele pra fora desse jeito pra ele cagar. Era uma correria levar ele pra fora, torcendo pra ele não cagar no meu braço.”

Ele abaixou e levantou Dragon algumas vezes.

Dragon grunhiu.

Eu estava rindo.

Depois de uns sonzinhos de clique com a boca, o cachorro minúsculo se aproximou do meu amigo.

“Oh, ei!”, disse meu amigo, enquanto o cachorro abanava o rabo a seus pés.

“Ah, agora você fez a coisa certa. Essa é a Lady. Dá atenção pra ela e ela não vai te deixar em paz, heh.”

Meu amigo puxou a Lady e a pôs no colo.

Ela se deitou imediatamente, abanando o rabo e apoiando o queixo no braço dele.

Então ela respirou fundo, olhando para longe com olhos estranhamente tristes.

Olhos que diziam: “Por que, mi amor?”.

“Olha só isso”, eu disse.

Todos observaram enquanto meu amigo acariciava a cachorrinha.

Aquilo me pareceu estranho.

Que essa coisinha confiasse no meu amigo.

Nada sabendo de suas intenções.

Em um mundo de crueldade.

Essa coisinha indefesa buscou segurança em um estranho.

Como se cada coisa fosse apenas uma coisa menor procurando uma coisa maior para cuidar dela.

Paralisado e indefeso e precisando cagar, querendo ser levado para se aliviar.

“Ah, odeio fazer isso, Lady, mas precisamos ir”, disse meu amigo.

Ele a desceu e assim que suas perninhas tocaram o chão ela correu até o terceiro cachorro, que tinha dormido.

Lady mordeu as orelhas do cachorro adormecido e seus olhos se abriram, os lábios curvados para trás.

“Incrível, obrigado por terem vindo, pessoal!”, disse o colega de trabalho do meu amigo, colocando Dragon no chão.

Dragon bufou, fiscalizando.

Demos adeus e partimos.

A porta de tela se fechou.

De volta à escuridão.

Som de uma motocicleta distante.

Fora isso, nada.

Insetos.

Andamos de volta pela estrada até o carro e demos ré lentamente.

Atravessando a escuridão.

Pela longa estrada.

Galhos estalando.

“Estou com a sensação de que vamos bater”, disse meu amigo, quando paramos no cruzamento da estrada principal, palco de muitas mortes.

“Eu também.”

Eu tinha pensado nisso por todo o caminho até lá.

E por um segundo, bem naquele momento, eu senti.

Como um pêssego jogado contra a parede.

Olhei para a estrada.

De um lado, apenas um tênue raio de luar na curva onde a estrada desaparecia sobre uma colina.

Do outro lado só escuridão.

Visibilidade zero.

“Que jeito de morrer”, disse meu amigo. “Numa batida bem aqui

E entramos de ré na estrada — paramos — e fomos em frente de novo.

Poupado pela coisa maior, mais uma vez, talvez.

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