Por que a Bukan II — Boas energias no tatame

cavername
4 min readAug 30, 2021

--

Este é o segundo de uma série de texto sobre as razões pela qual você deve praticar krav-maga na Bukan School of Krav-Maga.

O primeiro, disponível aqui, é sobre o grão-mestre israelense Yaron Lichtenstein: sucessor oficial de Imi Lichtenfeld (o criador do krav-maga), fundador da Bukan, herói de guerra israelense e com uma vida inteira nos tatames (não só de krav-maga, mas de judô e aikidô também), Yaron preserva o krav‑maga exatamente como foi criado, sem incluir ou excluir nada. Treinar com alguém com essa história e com esse amor pela arte me parece mais negócio do que com alguém que, mesmo sem ter vivido 1% dessas experiências, acha que tem capacidade para “melhorar” o krav-maga…

É dessa história e desse objetivo do Yaron que decorre outro motivo para treinar na Bukan. Não é simples definir esse motivo; trata-se uma mistura de bom humor com leveza de espírito muito bem resumida por uma das 18 regras de etiqueta que seguimos na escola: “Manter boas energias no tatame”.

Para começar, dois casos que presenciei:

a) Em um dos cursos de formação de instrutores da Bukan, ali pelo 4º dia, o tatame estava manchado de sangue de ponta a ponta — parte do sangue vinha de cotovelos abertos por causa de dezenas de blima kasha lefanim (queda pesada para a frente), parte de joelhos abertos por causa de tai sabaki, e por cima de tudo havia manchas de sangue vivo que vieram do nariz de uma aluna, quando um soco mais entusiasmado fez com que o maguen (aparador) que ela segurava voasse em seu rosto.

b) Em um treino especial que reuniu alunos de todo o Brasil, um dos dias foi dedicado a defesas contra ataques de bastão. Dois alunos meus estavam treinando quando, por distração, o bastão acabou entrando — de cima pra baixo, direto na cabeça. O sangue lavou o kimono, e o corte depois recebeu alguns pontos no hospital.

Shit happens

Esses casos não são incomuns. O krav-maga é uma arte marcial de defesa pessoal, e isso significa que não há defesa sem um ataque correspondente. Treinamos com cuidado e respeito por nossos parceiros, mas treinamos para eliminar o inimigo com um golpe só. Acidentes acontecem.

Ainda assim, quando acontecem, não se vê um clima pesado se formando no tatame.

Um tatame da Bukan é um dos lugares mais divertidos de se estar. Do aquecimento ao cumprimento final, uma aula de krav-maga é repleta de piadas e risadas. A maior impulsionadora desse comportamento é a própria família Lichtenstein — Yaron, Rotem e Shahaf — que, por sua vez, mantém o espírito do criador da arte, Imi Lichtenfeld. E claro, também cabe a nós, instrutores, manter essa tradição.

E o que se vê nos outros lugares que dizem ensinar krav-maga? Um culto a certa imagem de “militar brucutu”.

Procure por você mesmo. Veja o enorme contraste entre as fotos de treinos da Bukan — os kimonos brancos, os sorrisos de homens e mulheres, adultos e jovens, a boa energia nos tatames — e a profusão de militarismo fajuto, caveiras, coturnos, boinas pretas, o contraste com essa gente meio brava, meio infeliz que domina o mundo do quase-maga. É tanto desespero para exibir alguma testosterona que chega a ser suspeito.

Federação Intergaláctica de Quase-Maga mantendo a fama de mau

O mais curioso é que a Bukan é repleta de pessoas que trabalham com segurança e direito.

São oficiais, suboficiais e praças das polícias militares, integrantes das Forças Armadas, vigilantes, juízes, promotores e advogados. Não preciso nem falar do Imi, combatente na II Guerra Mundial, na resistência judaica e, mais tarde, instrutor-chefe de defesa pessoal do exército israelense, e do Yaron, herói em uma das guerras modernas mais célebres (Guerra do Yom Kippur).

Se tem uma escola que teria direito de ostentar esse imaginário militar, seria a Bukan, tendo sido fundada por dois militares com participação real nos conflitos mais importantes do último século, e tendo em seus tatames pessoas que vivem a realidade da violência como parte do seu cotidiano profissional.

Mas nós não precisamos.

Porque nós seguimos Imi, que de brucutu não tinha nada. Imi foi um homem de educação europeia clássica, e sua experiência militar, por importante que seja, é só uma de suas dimensões.

Porque nós seguimos Yaron, que ao mesmo tempo em que explica a anatomia da garganta para demostrar como se estrangula direito, lembra de trechos de livros de Philip Roth, Carlos Castañeda e Yamamoto Tsunetomo e logo depois emenda uma piada infame sobre ovos marrons (se você é aluno da Bukan e ainda não ouviu essa, espere, porque sua hora vai chegar).

Nos tatames da Bukan, ninguém precisa se fantasia de mercenário de filmes de Holywood. Isso fica pra quem não tem a nossa história, o nosso presente e a nossa capacidade.

Bukan Caraguá mantendo a fama de mau

--

--